domingo, dezembro 28, 2008

Tropas expedicionárias a Cabo Verde


Este militar, todo vaidoso na sua farda de 1.º cabo radiotelegrafista, é o Henrique Calamote da Silva, filho mais velho do Ti Zé Violas, de que já falámos algumas vezes. A foto foi tirada na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, no dia 15 de Março de 1942. Decorria, então, a segunda guerra mundial e, apesar de estar de fora do conflito, Portugal entendeu guarnecer, preventivamente, aqueles territórios ultramarinos com algumas forças militares.
Dos nossos cinco anos, recordamos bem as Mensagens de Natal que estes militares mandavam através da rádio, «nova tecnologia» que então despontava nos pequenos centros. Em Salvador havia (creio não errar) apenas uma telefonia em 1942. Tratava-se de um belo exemplar de aparelho, a válvulas, que pertencia ao Sr. João da Cruz Monteiro, que, nas alturas próprias, facultava a sua sala para que se ouvissem as mensagens dos soldados, que os familiares recebiam de olhos simultaneamente arregalados e chorosos:
Beijos e abraços até ao meu regresso...

Ao meu querido mano Henrique, o meu abraço e os meus votos de mais um bom ano novo. Albertino Calamote.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

O Madeiro de Natal


Os adros das aldeias e vilas da Beira-Baixa preparam-se, nesta altura do ano, para acolher o tradicional Madeiro de Natal.
O Salvador de outros tempos fez sempre questão de cumprir este ancestral costume, e, quando os rapazes entrados à tropa se atrasavam, logo os homens casados se punham em campo, arregaçavam as mangas, e o madeiro aparecia.
Lembramos aqui um Natal passado em África, no serviço militar, em que jovens salvadorenses, beirões, e não só, procuraram recriar a tradição das suas terras, pondo-se a caminho da mata africana, à cata de troncos secos, que carregaram num camião e depositaram na parada do quartel, num monte enorme, que deu fogueira acesa durante a quadra festiva.
A imagem mostra os pormenores, descritos e publicados, primeiro no Sentinela das Beiras, o jornaleco da Unidade, carinhosamente dactilografado e reproduzido a stencil, e, trinta e tal anos mais tarde, no Jornal do Exército (n.º 432, de Dez95, pp. 34-35).
Poderemos avaliar o «sabor» daquela fogueira, se pensarmos na comunicação que era possível nos anos sessenta: sem telemóvel, sem internet, o veloz correio aéreo levava-nos as notícias da família reportadas à semana (ou à quinzena) anterior.
Tínhamos, enfim, dois anos (pelo menos), para aprender a viver com as saudades em diferido!
– Aos que, apesar de apoiarem as actuais missões de militares portugueses no estrangeiro, olham os antigos combatentes de soslaio – que muitos há ainda – desejamos um quente Madeiro de Natal, o mesmo que a todos os nossos amigos!

sábado, dezembro 06, 2008

8 de Dezembro – Dia da Mãe


Este blogue é do Salvador de outros tempos. Do tempo, por exemplo, em que o dia 8 de Dezembro era dia santo de guarda, consagrado à mãe de Jesus, Nossa Senhora da Conceição, e, simultaneamente, a todas as nossas. Era o Dia da Mãe.
Há uns anos a esta parte muitas coisas mudaram, e a moderna mentalidade consumista transferiu o Dia da Mãe para o primeiro domingo de Maio, a fim de alinhar com a globalização… ou para melhor funcionar o comércio das bugigangas, que caracteriza estes dias festivos!
O Dia da Mãe não é o mesmo, mas as mães também mudaram. Continuam a dar à luz, é certo, mas tudo o resto está mais facilitado, dir-se-ia mais standardizado, nos dia de hoje.
Há o planeamento familiar e a assistência na gravidez; há as maternidades e as cesarianas; há as fraldas descartáveis e os carrinhos de bebé; há as roupinhas para 3 meses, para seis, para 1 ano, para 2…; há os infantários e as pré-primárias; há os leites em pó e as papinhas em frascos; há as aulas de piano e de violino; há a natação e o karaté; há a televisão, os computadores e a play station; há a internet, o telemóvel, o MP3, o Ipod, o Messenger, o Hi5, o cinema, os centros comerciais, as trotinetas, as motos e os carros, as discotecas, os shots, etc, etc.
Ah, mas as mães de hoje trabalham; as de outros tempos estavam em casa!
Parecerá um lugar-comum, mas dantes a coisa era outra, bem mais natural, bem mais pura, bem mais humana. Elas, as mães doutro tempo, aturavam-nos dia e noite, todos os dias e todas as noites; faziam a nossa comida com os alimentos da horta ou da mercearia davam-nos o leite do seu peito, ou, se este secava, o de cabra ou o de vaca; faziam as nossas fraldas de pano, sempre lavadas e sempre reutilizadas; faziam a nossa roupinha toda, a nossa bata da escola ou a nossa saca dos livros; faziam as nossas meias de algodão com as cinco agulhas que giravam nas suas mãos de fada, ou tricotavam as nossas camisolas de lã, grossa e quentinha; faziam as nossas mantas a partir de tiras de trapos ou de ourelos; baixavam ou subiam as bainhas das nossas roupas; remendavam-nas ou aplicavam-lhes umas joelheiras ou umas cuadas novas; viravam do avesso um casaquinho do filho mais velho, e ajeitavam-no, para ser usado e rompido pelos irmãos mais novos...
Pois é, as mães de antigamente não trabalhavam!
Salvé dia 8 de Dezembro, dia da mãe de Jesus, dia da minha mãe, Dia da Mãe!

Imagem de título: 8 de Dezembro - Dia da Mãe [Visual gráfico. - [S.l. : s.n., D.L. 1955]. - 1 imagem : color. ; 12x10 cm http://purl.pt/12503. Lisboa, Biblioteca Nacional Digital.
Imagem da senhora a fazer meia: com a devida vénia, reproduzida de http://tricotadeira.wordpress.com/2008/01/12/

terça-feira, dezembro 02, 2008

Quem são os dois meninos?


Quem são os dois meninos tão atiladinhos, de camisolinha branca, de jaquetinha e calções, de sapatinho e meia alta, que vão chegando ao «fundo da estrada», bem pelo centro da mesma, e todos compenetrados?
A avaliar pela suas sombras, diríamos que se estava no princípio de uma manhã radiosa de sol, e que, à sua esquerda, ainda não havia quaisquer edificações. A vestimenta sugere-nos que são meninos de cidade, possivelmente em férias. Transportam qualquer coisa na mão direita. Terão recebido uma prenda? Vão à missa ou à catequese?
Também não sabemos a data da cena: terá cerca de meio século. Quer a galinha, quer os petizes, não parecem preocupados com os automóveis na estrada... A paisagem de fundo alterou-se entretanto: o aterro e o muro fronteiros à casa deram lugar, há já bastantes anos, a uma fiada de novas moradias, à frente das quais haveria de passar a «estrada nova», para Monsanto.
Em conclusão: não sabemos a idade exacta da foto, nem conhecemos os jovens – agora, sem dúvida, respeitáveis anciãos – que lhe conferem humanidade. Porém, temos a certeza, isso sim, de estarmos perante mais um momento singular da vida de Salvador, e de um documento onde pode ser «lido» mais um importante capítulo da história da nossa terra.
Esclarecimento posterior:
O «menino» mais pequeno, então com 6 e agora com 74 anos, é o José Geraldes Pereira de Carvalho. Tinha vindo de Vale de Prazeres, com a família, para se fixarem em Salvador por alguns anos. Os pais tinham um comércio ao Fundo da Estrada (Era o Sr. Aires e a Sr.ª Laura, esta natural da nossa terra, irmã do também comerciante, na Rua da Cinza, José Robalo da Cunha Pereira). Tinham mais 2 filhos: o Aires e a Margarida (?).
O Zeca – assim o conhecemos – esteve pelo Salvador até aos 17 ou 18 anos, estudou, formou-se em Direito e foi para Moçambique, donde voltou só em 1981.
O outro «menino» é o Manuel da Cruz Monteiro, e a foto será de 1940/41.
Foto cedida por José Manuel Borrego Ribeiro.
P.S. Agradecemos os comentários do Geraldes de Carvalho. Já visitámos o seu blogue, mas não descortinámos o contacto. Pedimos-lhe que, em novo comentário, nos indique o seu e-mail, ou, se preferir, nos contacte para a.calamote@gmail.com.

terça-feira, novembro 11, 2008

Cena de fim de vindima


Esta é uma bela cena de fim de vindima, em que um friso de lindas mulheres posam para o retrato, exibindo alguns dos cachos de uvas acabados de recolher da vinha.
O quadro não ficaria completo sem a presença masculina. Temos ao centro José Raposo, o «Zezito Raposo», comerciante em Lisboa, mas particular amigo da sua terra, onde se deslocava ao mais pequeno pretexto, como é o caso presente das animadas festas das vindimas. A ladear o grupo, temos dois guardas-fiscais, José Afonso e Alfredo Rodrigues Lopes (de boné), que passaram grande parte das suas vidas em Salvador, com as respectivas famílias, e nesta terra se integraram completamente.
Malfadadamente não sabemos a data deste feliz instantâneo, embora julguemos que possa ser dos anos trinta, ou perto disso.

Foto cedida por Amadeu Afonso

quarta-feira, novembro 05, 2008

Piquenique na Sr.ª de Mércules


Era 1959. Estávamos em Castelo Branco, cumprindo o serviço militar no Batalhão de Caçadores n.º 6. As distâncias não eram como são hoje. Sessenta quilómetros era muito longe.
Nos raros fins-de-semana que íamos casa, à chegada da camioneta da carreira éramos recebidos com lágrimas de alegria, e da mesma forma deixávamos molhados os olhos da nossa mãe, quando, passados dois dias, tínhamos de regressar ao quartel.
Nos outros dias de folga, valiam-nos alguns amigos e conterrâneos que residiam na cidade. Com eles passávamos o tempo e era como se estivéssemos em casa.
Um soldado era alguém que estava a cumprir um dever de honra, pronto para o sacrifício maior, facto que, naquele tempo, merecia a atenção e o carinho das pessoas.
A imagem é de um piquenique no arraial da Senhora de Mércules, em Castelo Branco, que se festeja todos os anos, quinze dias depois da Páscoa.
O «palhinhas» não tem rótulo, o que indica que era da adega. O Manuel Sebastião e a sua Lurdes Leitão (que descascam fruta) levaram o farnel e convidaram os amigos, como era seu timbre. Amigos eram eles, e de eleição, dizemos nós: daqueles que mantemos no nosso coração, quer a Lurdes – que ainda está connosco –, quer o seu «Manel», que bem cedo nos deixou!

quinta-feira, outubro 30, 2008

Blogue no semanário «Reconquinta»


Intervindo num comentário a um dos posts deste blogue, convidara-nos recentemente o sr. José Furtado, jornalista do Reconquista, a trocar umas impressões sobre o salvadorbarquinhad’oiro. Anuímos de bom grado, e eis que, duma breve conversa telefónica que depois tivemos, resultou o excelente trabalho jornalístico que aqui se vê em imagem.
Pondo de parte falsas modéstias ou humildades fingidas, sabemos perfeitamente que o impacte procurado pela iniciativa mediática há-de encontrar-se na promoção regional desta nossa zona, e não em eventual mérito nosso. É este, aliás, o caminho correcto para um órgão de imprensa idóneo e actuante, bem como para um jornalista atento e consciente da sua missão.
Muito obrigado Reconquista.
Muito obrigado jornalista José Furtado.

domingo, outubro 26, 2008

Emigrantes e Imigrantes


Os anos sessenta e setenta caracterizaram-se por uma grande sangria de braços na agricultura, já de si bastante depauperada e incapaz de propiciar sustento suficiente que mantivesse as pessoas agarradas à terra. A procura de melhores condições de vida, foi o motivo para que muitos salvadorenses procurassem trabalho em países estrangeiros, enfrentando a dificuldade das novas línguas e de culturas diferentes, numa aventura no escuro, mas de expectativas elevadas.
Separação dos seus entes queridos, solidão entre uma população desconhecida e saudades da sua terra natal, são marcas na vida de todo o imigrante, que o acompanham a todo o momento. Até que regresse, para sentir o aconchego do lar, procura amenizar a sua angústia, passando os dias de festa, ou de maiores recordações, entre conterrâneos ou companheiros de trabalho mais chegados.
Um pouco à maneira do célebre «fogo sagrado», que unia os Gregos nas cidades-estado e nas colónias que a Antiga Grécia fundou ao longo das costas mediterrânicas, também os nossos emigrantes se organizavam, nos países de acolhimento, quer em associações, quer em meras confraternizações familiares ou de amigos, assim preservando a cultura e os usos e costumes da sua aldeia.
Esta foto fixou um momento das ditas separação, solidão e saudades. Ocorreu em Singen, na Alemanha, no dia 31 de Dezembro de 1983. Brinda-se à passagem do ano, mas o brilho dos olhos é diferente: pode camuflar a solidão, mas denota a separação e não encobre as saudades!

quarta-feira, outubro 22, 2008

O «Antes» e o «Depois»


Esta fotografia é do Antes e do Depois. Acontece no Salvador, no princípio de 1969, e o fotógrafo foi o Durante.
Nesta peregrinação terrena são-nos facultadas algumas graças que nos acarinham e fazem crescer; que nos alegram o coração e humedecem os olhos; que nos suavizam o caminho e nos impedem de desistir. São graças que – vê-lo-emos mais tarde – são para deixar à porta, no fim da caminhada.
Durante, recebemos a vida, o amor e as bênçãos dos nossos pais – o Antes –, e transmitimos a vida, o amor e as bênçãos aos nossos filhos – o Depois.
– Creio que já cumprimos, ... ou quase (falto eu!).

(Na imagem: os avós Maria e José, com os netos Fátima e Zé)

segunda-feira, outubro 13, 2008

A «Casa da D. Lusitana»


Ainda lá está, altaneira e bela, à beira da estrada, do lado esquerdo, assim que da portela se começa a descer para o centro da povoação. Mudou de dono há tempos, mas, para as gerações mais maduras, continua a ser a «Casa da D. Lusitana».
Trata-se de um soberbo edifício, em estilo colonial, dos anos trinta, implantado na encosta da serra, donde domina uma paisagem deslumbrante. Foi mandada construir pelo Sr. José Manuel Lopes de Almeida, que exerceu a sua actividade no Ultramar e era casado com D. Lusitana Pereira, de Salvador, filha do antigo e conhecido comerciante José Robalo da Cunha Pereira.
Estes proprietários deram sempre muito pouco uso à mansão; julgamo-lo, mesmo, apenas restrito a curtos períodos de descanso ou de férias. Deste modo, para ali esteve anos e anos, até que os actuais donos a salvaram duma degradação já iminente.
Autêntico ex-libris de Salvador, a «Casa da D. Lusitana» era vista e admirada por todos os forasteiros que nos visitavam. Até a juventude local se servia da sua imponente escadaria de granito, para ali se sentar, cavaqueando, nos domingos à tarde, ou, como é o caso presente, para sorrir ao fotógrafo com aquela beleza por fundo.
A foto de cima é de 1959; a de baixo, de 1965.

quinta-feira, outubro 09, 2008

Os noivos, os convidados e os mirones


Nesta altura, ainda o casamento religioso era o grande acontecimento da vida, não apenas dos noivos como das respectivas famílias. A própria terra e as suas gentes viviam estes dias com um entusiasmo e uma ansiedade tais, que era como se o espírito de família se estendesse a toda a população durante os cerimoniais.
A imagem, com os convidados muito acotovelados e juntinhos aos noivos e ao pároco, e todos eles prestes a serem engolidos pela multidão dos mirones, é bem o reflexo desse sentimento generalizado. A foto não o mostra, mas o repicar dos sinos, nesta hora, potenciava sobremaneira o bater de todos os corações.
Foi há cinquenta anos o casamento da Patrocínia e do Artur. Uniu duas famílias das mais conceituadas das nossa terra: a do lavrador José Lopes «Carapito» e a do comerciante João da Cruz Monteiro.
(Foto cedida pelo José Manuel Borrego Ribeiro).

quinta-feira, outubro 02, 2008

«Branca e radiante vai a noiva»


Branca e radiante vai a noiva, assim começa o belo poema da inspirada canção «La Novia», que o chileno Antonio Prieto havia de compor, escassos três anos depois desta fotografia.
A noiva é a Maria Alice Afonso e é ela que ali vai, branca e radiante, na Rua da Igreja (hoje Rua Professor Manuel Vicente Moreira), em direcção à casa dos pais, na Rua da Salgadeira.
Passaram cinquenta anos após esse 1 de Outubro de 1958.
Felizmente, este casamento ainda dura.

quarta-feira, setembro 17, 2008

Tempo de Vindimas


O Salvador de outros tempos foi terra de muito vinho. E de bom vinho!
Quem se não lembra da alegria esfuziante com que o rancho de vindimadores, homens e mulheres, percorriam as vinhas para a colheita dos dourados e maduros cachos, que, cheias as cestas de verga, despejavam na enorme dorna que aguardava em cima do carro de bois?
Quem se não lembra dos alegres homens e rapazes que, calças arregaçadas para cima do joelho, pisavam, compassada e ritmadamente, até noite dentro e por entre cantares e dichotes brejeiros, os túmidos bagos que enchiam o pio de rude granito beirão?
Quem se não lembra do extraordinário e divertido São Martinho salvadorense, de saudosos foliões como o Ti Zé Violas, o Vidal Félix e tantos outros?
Quem se não lembra, enfim, do tempo em que quase toda a aldeia fazia vinho, de pipa ou de barrico, sendo grande ofensa não aceitar «um copito do meu» a essa gente, de tal modo que, ao fim da ronda dominical, já se trocavam os pés e já fluíam as cantigas à desgarrada?
O quadro supra, apesar da sua faceta humorística, deixa bem vincada a importância do vinho nos tempos passados.

terça-feira, setembro 09, 2008

Maria Pires, ou Maria Sabina


Senhora de uma voz espectacular e de uma boa disposição irradiante, presente em tudo quanto fosse rancho floclórico, grupo de cantares ou festa tradicional em que se apresentasse o Salvador, Maria Pires de seu nome de baptismo, mas de todos conhecida por Maria Sabina, foi bem uma das figuras mais representativas da nossa terra, nas últimas seis ou sete décadas de Novecentos.
Nascida em 1907 e falecida já no novo milénio, Maria Sabina veio de uma humilde família salvadorense - a grande maioria! -, daquelas que têm como principal abundância a honra, o trabalho e uma alegria muito grande de viver e de interagir no meio e na comunidade onde se integram.
Maria Sabina nunca chegou a rica, nem sequer a remediada, nem mesmo à literacia, mas o seu saudável sentido de humor, a sua voz límpida e potente, bem como os característicos adufes, que confeccionava com as suas próprias mãos, foram ingredientes vitais de tantos e tantos momentos de cantigas, religiosas ou populares, quaresmais ou carnavalescas, que marcaram tão profundamente o tempo dos nossos avós.

(Foto cedida por seu filho Miguel Pires Costa - o Miguel Sabino, nosso companheiro de infância).

sábado, agosto 23, 2008

Os balcões de pedra e o «passarinho»


O Salvador da passada década de trinta - muito provavelmente quando esta foto foi feita - tinha imensos balcões de pedra, alguns dos quais já passaram por este blogue.
Para além de serem emblemáticos das pessoas mais abastadas da terra, pela sua altura e pela sua imponência eram palco de momentos importantes: a partir deles se cantavam as alvíssaras, ou se encomendavam as almas, pela calada das noites quaresmais; neles fazia paragem a «música» da festa para o mata-bicho dos músicos; era ainda deles que provinha o brado jocoso e galhofeiro das choradelas de entrudo... e também serviam de palanquim privilegiado para uma bela fotografia, coisa ainda bastante rara naquele tempo e, daí, a atenção e o ar grave com que os retratados espreitavam o «passarinho».
Neste caso, o cenário é o balcão do Ti António Cigano, na Rua da Ferradura, e, pelo que vemos, atraiu a garotada da vizinhança.

Foto cedida por José Manuel Borrego Ribeiro.

sábado, agosto 09, 2008

... em pedaços repartida


«Pátria em pedaços repartida», foi assim que nos ensinaram e era assim que as pessoas comuns o entendiam, na sua inocência e na sua simplicidade. Assim o entenderam imensos salvadorenses, de várias gerações, que por lá faziam a sua vida, honradamente, lá constituíram família e, se alguns mais velhos ansiavam voltar um dia ao Salvador, as gerações seguintes, que lá nasceram e lá se sentiam em sua terra, pouco os prendia a Portugal, salvo meras raízes familiares.
Porém, os homens sábios das novas ideologias não nos reconheceram direitos de conquista ou de descoberta, nem de ocupação ou tão pouco de naturalidade, e fomos escorraçados, expulsos e espoliados, dali para fora.
Nós, os da foto, estivemos por lá apenas de passagem, mas o tempo suficiente para virmos com aquela terra no coração, para nos preocuparmos com o que lá se passa e para sentirmos um nó na garganta, ao pensarmos como poderia ter sido bem melhor, para os novos países lusófonos, se tivessem aproveitado o capital humano que foi obrigado a sair, a grande maioria já ali nascido.

sexta-feira, julho 25, 2008

A Maria Júlia


A Rua da Cinza foi sempre uma das artérias mais movimentadas de Salvador. Pela manhã, as pessoas dirigiam-se apressadamente aos campos e às hortas, donde retiravam o «pão nosso de cada dia». Faziam-no acompanhadas dos seus animais: as cabras, os burros, as vacas, que faziam parte do esforço familiar para o sustento.
À noitinha dava-se o regresso a casa, e a rua era percorrida em sentido contrário. A passada era então mais frouxa, porque as pessoas e as bestas carregavam produtos da terra e os amojos das cabras pediam ordenha.
Sentada à porta de sua casa, praticamente durante todo o santo dia, a Maria Júlia distribuía lindos sorrisos a todos estes transeuntes, que não conseguiam ignorar tanta simpatia e, por isso, quer à ida quer à vinda, lhe dirigiam palavras simpáticas e carinhosas: Olá, Marijúlia! Ou, para se meterem com ela: ó mandriona, ainda estás no mesmo sítio?!
A Maria Júlia era filha do casal Filipe Silva e Ascenção Silva, que teve, salvo erro, seis filhos, dois dos quais, o Zé e a Maria Júlia, nasceram deficientes em elevado grau: não tinham autonomia mental, não falavam e não andavam, apesar de conseguirem arrastar-se a partir da posição de sentados no chão. Ainda assim, a deficiência da Maria Júlia era menos profunda do que a do irmão. Problemas de consanguinidade, dizia-se, em virtude dos pais serem parentes.
A Maria Júlia nasceu muito próximo, no tempo e no espaço, do autor destas linhas e uniu-nos sempre um enorme carinho. Éramos vizinhos, somos do mesmo ano e as nossas famílias foram sempre muito amigas. Na foto está com a Fatinha ao colo: a nina patino (a menina do Albertino), como ela conseguia dizer.
Mas não é por esta amizade que a Maria Júlia vem aqui a propósito. É, sim, por ser uma das personagens mais conhecidas e acarinhadas do Salvador de outros tempos.

sábado, julho 19, 2008

A Família Afonso


Não está aqui completa a Família Afonso, mas, apesar de algumas ausências, vê-se que era de notável extensão, a avaliar pelo grupo que «olha o passarinho».
Família invulgarmente unida, ansiava por todos os momentos em que pudesse juntar-se. Em passeio, ou ao redor de uma mesa, eram sempre momentos de pura alegria.
Esta foto não é muito antiga: será dos primeiros anos de Oitenta, mas assinala já perdas dolorosas, que importa aqui homenagear com muito amor e imensas saudades.

domingo, julho 06, 2008

O balcão da «Menina» Rita


Os do meu tempo lembram-se de que a passagem do «fundo da estrada» para o adro da igreja era tão apertada que a maioria das camionetas não entrava lá, para ir descarregar aos comércios. Já em intervenções anteriores aludimos ao facto, com algumas imagens ilustrativas.
O balcão da «Menina» Rita, que aqui vemos, não é apenas lembrado por dificultar o acesso de viaturas ao adro, mas, principalmente, por ser um autêntico jardim florido, emblemático dessa praça nobre da nossa terra, que é o adro, e miradouro privilegiado dos casamentos, baptizados, procissões e demais eventos que decorriam na igreja.
Por aquelas ocasiões, era do balcão da «Menina» Rita que se deitavam, à «rabatina», mancheias de rebuçados, que a criançada – e não só – se atropelava para apanhar.
Era também ele a moldura perfeita para as fotografias importantes, apesar de, naquele tempo, o registo dos belos vasos floridos ficar a preto-e-branco...
Não sabemos a data da imagem supra (arriscaríamos cerca de 1950), mas conhecemos a maioria das personagens em pose:
1.º plano: Henrique Cruz Monteiro (futuro padre); António Amaral (com o filho Manuel) e o guarda-fiscal José Afonso.
2.º plano: Manuel Cruz Monteiro; Armando Afonso; Libério Costa Silva e Acácio.
3.º plano: Ismael Cunha Leitão; Francisco Cruz Monteiro e José Nunes Ribeiro.

(Foto geltilmente cedida pela senhora D. Deolinda Raposo)

terça-feira, junho 17, 2008

O primeiro automóvel


A magnífica foto que hoje aqui apresentamos não está datada, supondo nós que seja de cerca de 1945, mais ano, menos ano. Ao centro de uma autêntica moldura humana, e quase engolido por ela, está o Ford V8, de matrícula AC-82-56, que foi o primeiro automóvel de Salvador e cuja chegada foi, como se vê, alvo da enorme curiosidade que a bela imagem tão bem regista.
O dono da formosa máquina era o senhor António Manteigas Raposo («Toninho» Raposo), que vemos atrás do ombro direito do tocador, aliás seu irmão «Zeca» Raposo.
O local da pose é o Adro da Igreja e o prédio de fundo é o da referida família Raposo, a mesma que, alguns anos antes, doara o relógio da torre da igreja da nossa terra.
Esta viatura, e o seu generoso proprietário, serviriam inúmeras vezes para situações de emergência, respondendo, graciosamente, a aflições de pessoas da terra, por mais humildes que fossem.
E o autor destas linhas nunca esquecerá que foi neste carro que, pela primeira vez, andou «a cavalo» num automóvel, e a «cavalada» foi bem comprida...
Teria eu oito ou dez anos, o Sr. António Raposo, que era muito amigo de meu pai, precisando de companhia para ir a Oliveira de Azeméis, onde tinha uma irmã, pediu ao amigo «Violas» que deixasse o rapaz ir com ele. E assim foi. Algo maravilhoso e inesquecível. Recordo que apanhámos neve na estrada, para lá da Guarda. Fizémos paragem, para comer, em Fornos de Algodres. Fixei este nome, que achei estranho para ser nome de terra, mas, mais ainda, fixei o que comi: bifana! Não sabia o que aquilo era, mas achei um desgoverno: um pedaço de carne, que daria para todos comermos em casa, com batatas ou com arroz, estava todinho dentro do meu papo-seco! Visto com os olhos de agora, parecerá tudo normal e nada extraordinário, mas, naquele tempo, não se comia carne com a abundância de hoje. A carne do porco estava na salgadeira e era para durar todo o ano; as galinhas deviam pôr ovos e a sua carne era para os doentes; cabrito e borrego comiam-se nas festas, quem os tinha ou possuía dinheiro para comprar; finalmente, as vacas serviam para lavrar e para puxar o carro... Como os tempos mudam!
Deixando a viagem e voltando à fotografia, os salvadorenses que nos seguem, sobretudo os mais velhos, encontrarão aqui muita gente conhecida, do tempo em que «chapéus ainda havia muitos»!
Juntamos um diagrama com as personagens numeradas, para ajudar às identificações. Obviamente que solicitamos que no-las comuniquem, para que vamos actualizando o quadro. Podem fazê-lo através de comentário a este post ou para a.calamote@gmail.com.

Foto gentilmente cedida pela Exma Senhora D. Deolinda Raposo.

quinta-feira, junho 12, 2008

Os «Pregões do Meio»


Era uma tradição bem comemorada. Quando um par de noivos resolviam celebrar o sacramento do Matrimónio, iam ter com o senhor prior para darem andamento aos «proclamos».
Eram os papéis necessários para organizar o processo de casamento.
A primeira fase era dar a conhecer à comunidade, em três domingos seguidos, que fulano e fulana queriam casar, e se alguém tivesse conhecimento de algum impedimento, o mais comum era a consanguinidade, desse conhecimento dele.
O segundo domingo da proclamação chamava-se: «pregões do meio». Nesse domingo o ritual era o seguinte: a família da noiva adoçava tremoços que chegassem para os familiares e amigos, e o noivo arranjava boa pinga, para darem a todos os que quisessem juntar-se a eles, no baile que organizavam. A noiva aparecia com um lindo vestido preparado para esse dia, além de todos os adereços que possuía. Igualmente o noivo. «Toilete» que só ia servir para o segundo dia após o casamento.
As famílias de ambos preparavam a fogaça para o senhor prior: tremoços, uma garrafa de bom vinho, a melhor pita da capoeira e um bom «pão-leve», também conhecido por pão-de-ló.
Assim eram festejados os pregões do meio. Era, nem mais nem menos, o dia dos esponsais no hábito judaico, compromisso solene do noivado, que atraiçoado já era adultério.
Nessa semana, os noivos levavam os tremoços às casas dos amigos, que retribuíam com uma oferta, ao novo casal a formar-se já com dia marcado.
Pe. Henrique

quinta-feira, junho 05, 2008

«Dancing» dos anos 1930


Os grandes dancings do Salvador eram os terreiros, bem conhecidos dos jovens e dos adultos.
Nos domingos da parte das manhã, alguém com um regador borrifava o terreiro, para abater o terreno e não levantar o pó, na hora da dança.
Era ver as raparigas com os belos vestidos domingueiros alegrarem o ambiente e como era lógico os rapazes de camisa branca, colete escuro, calças no mesmo tom, cravo na orelha ou no bolsinho do colete, o bom perfume da época, encherem o terreiro. Ali aguentavam na cavaqueira e chalaça até chegar o homem da gaita de beiços, «o realejo», e começar a executar o seu variado e belo repertório musical, para os rapazes se dirigirem à moça predilecta, a pedir a mão para iniciar o baile.
Se alguma moça ficava sem par, pegava noutra e fazia com ela perna de dança, até aparecerem dois moços a interrompê-las, para mais dois pares engrossarem a roda.
Eram escassas as horas, para o convívio alegre.
Os casados de fresco não dispensavam a sua exibição.
Só em dias de grande gala aparecia um tocador de concertina, contratado pelos moços mais briosos do Salvador. Além do passeio domingueiro até ao Alto da Serra, era o único divertimento da mocidade, só interrompido na Quaresma e no Advento, por respeito às épocas litúrgicas penitenciais.
Este dancing tinha óptimo ar, não precisando de aparelhos e de boa iluminação.
Os mais idosos transportavam uma cadeirinha ou um tropeço, para ali passarem a tarde e garantirem o ambiente de respeito. O horário ia até ao toque das Trindades, hora sagrada para o regresso ao lar.
Assim se passavam, com grande animação e sã alegria,. as tardes domingueiras.

Pe. Henrique

sexta-feira, maio 30, 2008

Colaboração dos leitores


Alguns leitores têm manifestado apreço por este nosso trabalho, oferecendo, inclusive, colaborarem com textos e fotografias.
Muito agradecemos o interesse. Quanto à colaboração, ela é desejada e foi pedida desde o início.
Os textos, identificados, e as fotos, com legendas e se possível datadas, poderão ser-nos enviados por mail para:

quarta-feira, maio 14, 2008

Fartura de crianças em Salvador!

Esta fotografia regista um extenso grupo de meninas e meninos salvadorenses, posando frente à porta principal da igreja de Nossa Senhora da Oliveira, matriz da nossa terra. Acabaram, alegremente, de fazer a «comunhão solene» e estava-se no ano de 1971, mais precisamente no dia de Santo António.
Tinham entre sete e dez anos de idade, pelo que «eram as mulheres e os homens de amanhã»! Apresentam-se diversamente vestidos, uns melhor e outros mais modestamente, mas nada de roupas de marca ou de ténis caros; não se lhes vêem os relógios no pulso, os telemóveis ou os head phones nos ouvidos! Estão aconchegadinhos uns aos outros, saudavelmente sorridentes e felizes; nada de PSP’s, de Nintendos, ou de outros jogos electrónicos que lhes roubem a concentração e os subtraiam à vida que os rodeia!
Estas crianças da fotografia têm hoje os seus próprios filhos. A grande maioria teve, porém, de emigrar para outras terras, e agora já não há fartura de crianças em Salvador.
Os tempos eram outros, dir-se-á.
De facto eram, mas serão os de agora melhores?

quarta-feira, abril 23, 2008

Há vinte anos partiste!


NOTA: A imagem de fundo «roubei-a» algures na Internet. Peço desculpa – e agradeço – ao autor do feliz instantêneo.

sexta-feira, abril 04, 2008

O Chafariz da Sacristia

Cada fotografia reproduz um momento único da vida das pessoas visadas.
Pode ter passado muito tempo; pode o papel ter amarelecido com os anos; pode a própria imagem ir desvanecendo, mas o momento ali continua: ali permanece a pujança e a juventude; a expressão e o gesto; o semblante e a figura, o sorriso e a simpatia...
No caso presente, o enquadramento parece ser o Chafariz da Sacristia, no seu lugar primitivo (foi recentemente afastado uns metros devido à construção da Casa Mortuária). Ali foi tirado o retrato que, à força de o mirarmos, se torna familiar e convida a nossa memória a mergulhar no tempo, tentando identificar as personagens.
Só senhoras e meninas, ao que parece. Mesmo as senhoras, algumas delas – se me não engano – foram sempre tratadas por «meninas».
De facto, creio reconhecer as senhoras: Menina Maria «do Sr. João da Cruz», Menina Rita Berenguilho, Lurdes Leitão e Alda «Frederico». Não consigo identificar mais nenhuma, apesar de julgar que a mais pequerrucha parece ser a «Alicinha» França. Deixo o resto para os leitores do Salvador Barquinha d’Oiro.
O chafariz ostenta a data de 1951 e a fotografia deve ser de alguns (poucos) anos depois.
Foto cedida por José Manuel Borrego Ribeiro.

segunda-feira, março 24, 2008

Missa nova no Salvador

Por que motivo tanta gente frente à casa de Maria Antónia Tavares e João da Cruz Monteiro?
Era catorze de Abril de 1953 e houve Missa Nova na terra, celebrada pelo filho do referido casal, facto ímpar na história do Salvador.

De facto, o padre Henrique da Cruz Monteiro foi o primeiro – e até agora único – sacerdote ordenado na nossa terra (à época, a tradição religiosa era muito marcante e outros jovens salvadorenses frequentaram os Seminários, mas mais nenhum teve sucesso).
O notável acontecimento foi festejado com toda a solenidade pela instituição religiosa, e os pais do novo clérigo fizeram também jus à sua felicidade, proporcionando uma lauta refeição a muitos convidados, incluindo pessoas das mais humildes do povo de Salvador.

À porta da igreja – na outra imagem – vêem-se, além do jovem padre, outros sacerdotes concelebrantes, nomeadamente o padre António Robalo Ramos (à frente), pároco de Salvador. Identificamos, ainda, o pai e o irmão (Chico) do padre Henrique. Ao lado deste, o professor José Vicente Lopes, mestre saudoso de muitas gerações de conterrâneos.

Fotos cedidas pelo padre Henrique da Cruz Monteiro.

sexta-feira, março 14, 2008

Na Rua da Cinza

Olá, eu sou o Albertino, tenho onze anos e estou aqui penteadinho, de risco ao lado, nesta foto tirada em 1949, na Rua da Cinza, à frente das casas dos dois irmãos – meu tio e meu pai – António Calamote, pedreiro, e José Calamote (Zé Violas), sapateiro. É uma daquelas fotos que o meu irmão Henrique tirava quando vinha de férias, no Verão. Já vou dizer quem são os outros:
À minha direita está o meu pai; a minha mãe, Maria Lucinda, está lá atrás, de blusa escura às pintas, ao lado do meu tio António. Ao colo do meu pai está o meu sobrinho Zé Henrique, com comichão no nariz.

O casal que tem os bebés ao colo são os meus primos António Calamote e Maria Pereira, recentemente prendados com as bonitas gémeas Maria de Fátima e Maria do Carmo.
As senhoras da frente são a minha cunhada Palmira, a minha prima Carolina e uma vizinha, creio que chamada Otília Pereira.
Atrás da Otília vê-se a porta da oficina de sapateiro de meu pai, que era também o encarregado do correio. O local era, assim, bem conhecido dos salvadorenses.
A oficina era um cubículo, pelo que a leitura dos destinatários das cartas que chegavam era geralmente feita a partir daquela porta, para uma «plateia» que esperava ansiosa.
Por essa altura já eu conhecia (vinha no meu livro da 4.ª classe) o célebre episódio de Mestre Bento Pertunhas, na Morgadinha dos Canaviais, e tive oportunidade de verificar, com os meus próprios olhos, a diversidade de semblantes em presença, durante cada um dos rituais diários da leitura do correio.

segunda-feira, março 10, 2008

«Instantâneo feliz»

Coincidência ou «instantâneo feliz» é o que se chamará ao facto de estarem praticamente sobrepostas a imagem e a cruz, nesta foto da procissão em honra de Nossa Senhora de Fátima, que vai em direcção à capelinha, em 13 de Maio de 1956 – um lindo dia primaveril.
É apenas um pormenor, de entre outros, tais como a «rica» ornamentação do andor; a alva vestimenta dos mordomos; o luto carregado das idosas; os lenços de cabeça ou a compostura das crianças pela mão das mães...
Mas há mais, muito mais! Há a maravilha da fotografia!
Com efeito, este «instantâneo» parou o tempo naquela ensolarada manhã e naquele exacto ponto da estrada de Salvador. A procissão está parada, mas tem vida.
Dir-se-ia tratar-se de pausa para reflectir...

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Passeio de Domingo


Grupo de jovens salvadorenses aproveita uma amena tarde de domingo, gozando um agradável passeio pela estrada fora.

(Foto de cerca de 1960, cedida pelo Prof. Libério Candeias Lopes)

Santa Sofia há cinquenta anos


Estamos no dia 7 de Setembro de 1958, dia da festa de Santa Sofia. Findo o sermão, na capelinha da Santa, a procissão dirige-se agora à igreja matriz.

(Foto cedida pelo Prof. Libério Candeias Lopes)

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Guarda Fiscal e Salvador


Na época em que o contrabando entre Portugal e Espanha estava na ordem do dia, todos os lugares raianos, como a nossa terra, foram importantes na vigilância de fronteiras, na protecção fiscal e económica do Estado.
Esse trabalho pertencia à Guarda Fiscal que, durante a maior parte da sua existência secular, manteve um posto em Salvador, com uma guarnição variável, mas raramente excedendo a dezena de efectivos. Tratava-se de pessoas de outras naturalidades, dada a proibição de poderem exercer a profissão na sua própria terra, certamente por motivos de independência de acção.
Não cabe aqui abordar a sua actividade, nem a dos seus naturais «adversários» – os contrabandistas. O nosso objectivo é salientar o facto de que alguns desses homens, ao aqui residirem com as suas famílias durante vários anos e até décadas, tomaram o Salvador como a sua terra, e salvadorenses nasceram os seus descendentes.
Em 1956 era esta a composição do Posto de Salvador:
António Vaz Leitão
Domingos Lopes
José Afonso
José Dias Ramos
José Gomes
José Gonçalves Milheiro Duarte
José Toscano da Costa
Júlio Arrojado
Manuel Augusto Pires dos Santos
Sebastião Oliveira Cunha
Zeferino Miguel (Comandante do Posto)

Na foto, de cerca de 1950, o guarda-fiscal José Afonso faz o seu retrato de família. Natural de Proença-a-Velha, tal como a mulher, Adélia dos Santos, passaram no Salvador meio século de vida, e aqui jazem no cemitério local.

domingo, fevereiro 17, 2008

Conceito de Defesa da Pátria


Está ainda muito presente, entre os portugueses, a lembrança do conflito hoje chamado de Guerra Colonial, que durante treze longos anos, mobilizou a quase totalidade dos mancebos daquele tempo.
A mobilização era, aliás, genericamente encarada como fatalidade devida à obediência a valores que vinham sendo assimilados e se instalaram pacificamente na grande maioria da população.
Veio a revolução de 25 de Abril de 1974 e trouxe consigo, além do fim da guerra, o germe de uma consciencialização totalmente diferente, no que se refere à eventual justeza da nossa participação no conflito. O dever, antes configurado pelo conceito de defesa da Pátria, é, pelos novos ventos, distorcido, condenado, e coberto com o manto da ilegitimidade.
O sacrifício dos que intervieram na guerra ultramarina adquiriu, assim, nas consciências ideologizadas pela «revolução dos cravos», um significado pejorativo, destinado a ostracizar toda aquela geração de portugueses.
Porque o «novo» conceito de dever assume extensão diferente e os destinos dos nossos jovens são outros – ex-Jugoslávia, Bósnia, Kosovo, Afeganistão, etc., etc. – esperemos que o futuro os não condene também, nem minimize o seu sacrifício.
A foto acima é de 4 de Julho de 1961. O cenário é o caminho marítimo sulcado pelo navio «Niassa», com mais um contingente de tropas, que inclui alguns salvadorenses.

sábado, fevereiro 02, 2008

No tempo do Vieiro


Na primeira metade do século XX assistiu-se a um incremento da actividade mineira, como riqueza a aproveitar para atenuar as graves carências da economia nacional. Passado o efeito dos grandes conflitos mundiais, a procura baixou, os preços cairam e as minas paralisaram.
Salvador, com as suas minas, teve também a sua época. Ainda nos lembramos do grande movimento de camionetas que, pelos anos quarenta, vinham recolher o minério extraído pelos muitos trabalhadores das minas da Lameira, que o povo baptizou de vieiro, que significa «veio de metal ou de outra qualquer substância numa mina».
Das várias galerias retiravam toneladas de terra, donde era separado o minério de ferro e manganês, que eram a base da produção. O entulho restante e alguns desperdícios minerais não comercializáveis formavam, depois, montes enormes por todo o recinto das minas.
A foto é de 1955 e nesta altura a exploração já tinha parado. Do bulício doutros tempos ficou apenas, durante alguns anos, um antigo encarregado, que tomava conta das estruturas, aliás transformadas em polo de atracção e visita quase obrigatória dos salvadorenses que vinham a férias.
É o caso do Ti Violas (José Calamote), que as foi mostrar aos filhos e neto, tendo honras de visita guiada pelo dito encarregado e seu particular amigo, Sr. Severino Rodrigues Reboredo e sua mulher, D. Teresa, que ladeiam na fotografia.

terça-feira, janeiro 29, 2008

Salvadorenses: encontro em Angola


A emigração em geral e as permanentes mobilizações militares, ocasionaram sempre saudáveis e alegres encontros, entre salvadorenses, por todo o mundo, em locais dos mais frequentados e cosmopolitas até aos mais ignotos e longínquos.
Esta foto é de 1970 e foi tirada em Angola, na paradisíaca ilha do Mussulo.
Como salvadorense residente em Angola, está o Sr. Américo Raposo (em pé, de óculos), com a esposa e as duas filhas. O grupo dos restantes inclui salvadorenses por nascimento, salvadorenses por afinidade e salvadorenses por amizade.
Nos primeiros está este vosso amigo com a mulher e os dois filhos, e a Maria Adelaide Lopes; nos segundos vemos o Adérito, marido da Maria Adelaide, e seu cunhado Narciso Afonso com a esposa e o filho; finalmente, os terceiros são os nossos amigos Zé Catana com a esposa e filha, e o Cleto Lopes, também com sua esposa e filha.
Escusado será dizer que foi um dia soberbo. Escusado será, também, salientar como a distância avolumava as saudades da nossa terra.
Do mesmo modo como o tempo avoluma, agora, as saudades daqueles que já só estão na memória desta fotografia.

sábado, janeiro 26, 2008

Largo Maria Clara da Silva Robalo


No post anterior demos uma mirada para lá da esquina da nossa igreja, e, como quem espreita o passado, vislumbrámos um pouco do que existia no espaço agora com a referência toponímica de Largo Maria Clara da Silva Robalo. Pois as duas fotos que hoje publicamos, de uma procissão de velas, permitem uma apreensão mais completa de como era o local.
Nas duas imagens, que se completam, vemos que o cortejo acaba de contornar a igreja, passa rente à sacristia e vira à direita, dirigindo-se ao «fundo da estrada».
Não sabemos datas das fotos, mas supomos serem dos anos 40, a julgar pela vestimenta de algumas senhoras. E a igreja ainda não fora caiada.
As casas de alvenaria que se vêem já não existem. O acesso ao adro da igreja (e aos comércios ali existentes) ficou impraticável desde o advento das camionetas de mercadorias, e houve que alargar as ruas adjacentes. Mais recentemente, a construção da Casa Mortuária alteraria o resto, nomeadamente os arruamentos à volta da igreja.
Com a demolição da casa do beirado, desapareceu o célebre balcão florido da «Menina Rita», uma simpática e não menos célebre personagem do Salvador de antigamente
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Fotos cedidas por José Manuel Borrego Ribeiro.

sábado, janeiro 19, 2008

Anos sessenta


Esta bela imagem, tirada à porta da Igreja Matriz de Salvador, no início da década de sessenta é um manancial de informação sobre a nossa terra. Como é evidente, o que de imediato nos salta à vista é o simpático grupo de jovens, rodeando uma encantadora noiva. Todas elas estão vestidas a preceito para o casamento, mas a igreja está fechada. Como a noiva morava ali mesmo ao lado, afigura-se-nos que ela quis posterizar-se ali, com o seu grupo de amigas, antes da cerimónia, provavelmente no que seria o seu último acto de solteira. Dispenso-me de as identificar, porque não quero tirar esse prazer aos salvadorenses que nos seguem.
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Naquele tempo a igreja ainda era caiada, e os degraus da porta principal eram outros.
Encostado à parede, nota-se um monte de areia. Obras? Remendos no piso de pedra solta do adro?
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A mulher idosa que espreita o ranchinho traja saia de lã preta, com pregas na cintura, comprida, um pouco acima do artelho; blusa de chita estampada; lenço preto traçado na face por baixo dos maxilares e apertado atrás; meia preta e sapato preto. Pelo trajo dir-se-ia ser domingo ou dia santo de guarda ou, então, a mulher iria «acompanhar a noiva ao altar», como era uso quando as famílias eram mais próximas.
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Finalmente, e não menos importante, a fotografia mostra-nos ainda, para lá da esquina da igreja, um pouco do que era o actual Largo Maria Clara da Silva Robalo. A casa que se vislumbra era, se bem nos lembramos, da família de José Ferreira, pessoa que conhecemos já com bastante idade e um pouco afectada da mente: vivia com a mãe, mas adorava jogar as damas na oficina do sapateiro José Calamote (Zé Violas), onde passava muito do seu tempo. Esta casa (no lugar dela está hoje a casa dos herdeiros de António Amaral) tinha um balcão muito alto. Nesse balcão e no da casa de José Cigano «Barrigudo» (que ficava defronte, onde é hoje a casa de Rui Candeias) – miradouros privilegiados – tomavam lugar as pessoas da terra para verem passar os entrudos, ou assistirem a outros quaisquer acontecimentos ou divertimentos que por ali passassem.

terça-feira, janeiro 08, 2008

A primeira comunhão


Era bastante elevada a religiosidade dos salvadorenses no dealbar dos anos setenta do século que passou. A escola primária era ainda frequentada por grande quantidade de crianças de ambos os sexos. A Escola e a Igreja tinham ainda uma ligação muito forte nas aldeias. O Padre e o Professor eram as personalidades de mais alto relevo e mais respeitadas entre a população, que via nelas a essência da cultura e da educação que pretendia para os seus filhos.
Quando chegava a idade para fazer a primeira comunhão, as mães, mesmo as mais humildes, tentavam arranjar uma roupinha nova e uns sapatinhos em bom estado para o grande acontecimento – que o era, de facto, e não só para os pequenos, mas para os pais, para os professores, para as catequistas e para o próprio pároco.
Era um dia de grande felicidade: um marco na vida duma criança, só comparável a outros tantos marcos que a vida lhe haveria de trazer futuramente: o exame da quarta, o primeiro namorico, a tropa, o curso, o casamento...
A fotografia (frente e verso) representa o dia da comunhão dos meninos e meninas das escolas de Salvador, no dia de Santo António do ano de 1971. Tem dedicatória pelo punho da professora D. Maria Adelaide (a meio da última fila), senhora de grande religiosidade e, então, a mais antiga entre os docentes da terra, desde o falecimento de seu marido, o saudoso professor José Vicente Lopes, em 22 de Agosto de 1969.