segunda-feira, outubro 25, 2010

Oito dias antes dos Santos


Antigamente a maioria das pessoas não sabia ler nem escrever. O facto pouco ou nada tinha a ver com o ser da cidade ou da aldeia, com o ter muitas ou poucas posses.
Havia a consciência de que o trabalho é que sustentava a barriga, que não as letras.
As crianças, à idade escolar, já tinham as suas tarefas definidas no seio da família, ajudando na medida das suas forças, já que mais não fosse tomando conta dos irmãos mais novos. As famílias eram numerosas, e a razão principal estava em que a terra sempre foi parca em alimentar as pessoas e todos eram poucos para a amanhar.
Quanto à literacia, arranjava-se sempre quem escrevesse uma carta ou lesse o que dizia o ofício da Fazenda; o resto resolvia-se com o saber da experiência transmitido de pais para filhos.
Adélia dos Santos (1899-1996), a anciã da imagem, era «mulher de guarda», e este, o guarda, era um dos poucos salários certos lá da terra, o que lhe conferia, só por si, um estilo de vida acima da média naquele tempo em Salvador. Porém, e não obstante fosse extraordinária como mulher, como dona de casa, como mãe, etc., inseria-se na grande maioria dos analfabetos daquele tempo.
Não lhe faltava expediente, nem vivência nem cultura: esteve na Alemanha, em Angola e em Moçambique, de visita a filhos que ali residiam à época, mas Adélia dos Santos nunca soube o ano em que nasceu, e, quanto ao dia, dizia, simplesmente, que nascera oito dias antes dos Santos.
É hoje, 25 de Outubro, e dai esta homenagem.
A foto foi tirada em Luanda, no início dos anos setenta. Adélia dos Santos está com a filha Augusta, o genro Albertino, os netos Fátima e Zé Carlos. O aviador é o meu sobrinho Tó Zé, em visita de passagem.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Tempo do Serviço Militar


Os salvadorenses mais novos já não conheceram o serviço militar obrigatório, e dificilmente saberão como ele foi importante para as gerações passadas, que ali tinham a praticamente única forma de libertação do ambiente pesadamente rural e atrasado que marcava as aldeias do interior, mas, também, a oportunidade de aculturação e de contacto com as realidades mais evoluídas da sociedade.
Nos tempos que correm, a civilização, através dos modernos meios de comunicação, vai de encontro às gentes onde quer que se encontrem; naquele tempo era necessário que as pessoas deixassem as suas terras e fossem procurá-la noutras paragens.
Castelo Branco, com as suas unidades militares – Regimento de Cavalaria 8 e Batalhão de Caçadores 6 – era o centro mais próximo, que reunia as centenas de jovens da região, e lhes ministrava, além da formação militar, uma parte muito substancial e importante da formação cívica, moral e cultural para a vida, a ponto de, para a maior parte dos jovens, ser relevante e muito nítida a diferença, para melhor, entre o «antes» e o «depois» do serviço militar.
A foto é de 1959 e mostra, em acção, a fanfarra do Batalhão de Caçadores 6 que, naquele tempo, nos domingos de manhã, tinha por hábito evoluir pelas ruas circundantes do quartel, espelhando o aprumo, o garbo e a disciplina que eram apanágio da formação militar, e tão úteis e necessários eram para a juventude.

terça-feira, outubro 05, 2010

O fascínio da fotografia


Em 1956, no Salvador, ainda as máquinas fotográficas eram artigos raros. Assim que aparecia uma, logo um grupo se reunia para eternizar o momento, e a garotada corria a tomar lugar na cena e a olhar o passarinho. Não adiantava mandá-los arredar.
Nesta ocasião, o local foi a entrada da «nossa escola», na estrada, próximo do Alto da Serra. Eu fiquei do lado de cá, a disparar para o Leonel Salvado, para o Zeca Amaral e para o João Bicho.
Quando disse a «nossa escola», quis mesmo dizer que ela era também a dos pequenos mirones, visto que somente em 1960 deixou de ser a única escola masculina lá da terra.
Foto cedida pelo Leonel Salvado.