sábado, maio 29, 2010

Entre Monsanto e Penamacor


A imagem que hoje aqui trazemos é o diploma legal pelo qual a rainha D. Maria II, fez suprimir o concelho de Monsanto, a que então pertencia a Aldeia do Salvador, que assim transitou para a dependência do concelho de Penamacor.
Os salvadorenses mais idosos, porque viveram um tempo de horizontes menos vastos e flexíveis, ainda se lembrarão bem de que existia uma relação muito forte e próxima entre Salvador e Monsanto, muito maior do que entre Salvador e Penamacor.
De facto, verificava-se naquele tempo uma grande fusão familiar salvadorense-monsantina, sobretudo nos lugares do Pomar e da Serra, como era, também, bastante comum os de Salvador terem propriedades agrícolas no limite de Monsanto, e vice-versa.
Monsanto ficava a metade da distância de Penamacor, o que também pesava no sentimento das pessoas. Ia-se a Monsanto, ao mercado, para comprar uma simples peça de louça ou uma ferramenta; a Penamacor já só se ia às feiras mais importantes, já porque os seus mercados eram menos fartos, já porque a distância era bem maior e menos prática para ir a pé.
Era ainda de Monsanto que se mandava vir o médico ou a parteira, e era aqui, também, que se encontrava o terminal de camionagem habitualmente usado nas deslocações para Castelo Branco, para Lisboa ou para outros destinos.
Hoje em dia tudo é diferente, e os mais novos só saberão destas coisas se os mais velhas lhas contarem.

quinta-feira, maio 13, 2010

Quinta-Feira da Ascensão

Foi hoje Quinta-Feira da Ascensão, festa religiosa ligada à Páscoa, que, no nosso Salvador, era um dos dias santos de guarda mais importantes, considerado, até, como «o dia mais santo do ano».
A única actividade permitida, manhã cedo, era a conhecida apanha da espiga, que consistia num ramo de folhas e flores campestres simbolizando o pão, o azeite e o vinho, bem como o milagre da vida, sempre renovado em cada primavera.
A missa evocava a ascensão de Jesus Cristo aos céus, e um silêncio de paz invadia os salvadorenses do tempo dos nossos avós. O meio-dia era «a hora». Dizia-se, então, que, a essa hora, os ribeiros paravam de correr, que o leite parava de coalhar, que o pão não levedava e… que nem os passarinhos iam ao ninho. «Nada bulia», era o termo utilizado.
A «espiga» era pendurada na cantareira até ao ano seguinte. Entretanto funcionava de tamismã para que não faltasse o pão e o azeite, e de amuleto contra as intempéries e os azares. Em caso de trovoadas, uns pedacinhos da espiga lançados no lume, apaziguavam os elementos enfurecidos.
Uma tradição deste dia, que o Salvador doutros tempos acarinhava, e que não era muito comum noutros lugares, era a largada de passarinhos, normalmente andorinhas, na igreja, à hora da missa. As avezinhas cruzavam, assustadas, o interior do templo, em todas as direcções, até que conseguiam dar com uma saída para o exterior.
Estas tradições, hoje praticamente perdidas, explicam a inocente e pura consciência dos nossos antepassados rurais, no seu apego à divindade e à terra-mãe, que, ciclicamente, lhes revovavam a paz, a esperança, e lhes propiciavam o «pão nosso de cada dia».

sexta-feira, maio 07, 2010

Dois salvadorenses ilustres


A propósito do tão antigo como popular meio de comunicação que se publica, evocamos hoje aqui dois salvadorenses ilustres, e dois homens extraordinariamente importantes no Salvador de outros tempos.
Através do referido bilhete-postal, de 14 de Setembro de 1916, correspondem-se sobrinho e tio (o assunto da correspondência é irrelevante), um em Salvador e outro em Coimbra. São, respectivamente, José Vicente Lopes (1897-1969) e José Candeias da Silva (1887-1959).
José Vicente Lopes, aqui com 19 anos, viria a ser professor de instrução primária, de grande saber e competência, formador de várias gerações de salvadorenses, que beneficiaram das sua forma insinuante de ensinar e do seu impecável exemplo moral e cívico. Foi ainda um devotado servidor do povo da sua terra, durante longos anos, através da prestação de diferentes serviços públicos – cargos gratuitos naqueles recuados tempos! –, nomeadamente a Junta de Freguesia, conseguindo o salto qualitativo da água e da electricidade ao domicílio, do telefone, do transporte público colectivo, dos arruamentos, da estrada e dos caminhos, colocando o Salvador a par das outras aldeias mais progressivas da região. Distinguir-se-ia, ainda, nos sectores agrícola e industrial. No primeiro, são de assinalar a modernidade dos seus métodos, com os quais obtinha boas produções e excelentes vinho e azeite; no segundo, foi inovador na mecanização da moagem de farinhas, estabelecendo, em Salvador, uma unidade fabril que moía os cereais da terra e de muitas outras terras das redondezas. Temos a promessa da autarquia de eternizar a memória do professor José Vicente Lopes, como figura de referência de Salvador. Aguardamos ansiosamente.
José Candeias da Silva tinha nesta data 29 anos incompletos e finalizava o curso de Direito na Universidade de Coimbra, cidade onde já obtivera o curso do magistério primário (1912), iniciado em Viseu… depois de ter deixado o Seminário da Guarda, onde chegara a receber ordens menores e de subdiácono! O bilhete-postal trata-o por doutor, o que, aliás, confirma idêntica forma de tratamento que tivemos oportunidade de constatar noutros documentos. Teve, em Coimbra, condiscípulos que seriam mais tarde célebres, como Oliveira Salazar e Gonçalves Cerejeira. Era homem de vasto saber, como atestam duas sebentas que publicou, intituladas Economia Social e Sucessões. Inesperadamente, e sem que nada o fizesse prever, Candeias da Silva abandonou Coimbra e os estudos, regressando a Salvador, em 1918, onde passou o resto da sua vida. Estava demente. Era, apesar disso, uma figura popular, respeitadora e muito respeitada por todos. Nos momentos de alguma sanidade mental, recolhia-se em casa, vagueando de noite pelas propriedades da família. Há provas de que escrevia muito. Fazia-o diariamente, em agendas e papéis dispersos. Coisas sem nexo misturadas com nacos de escrita erudita. A maioria dos seus escritos foram destruídos por familiares, por ignorância. O neto Libério, que viveu na Alemanha, é que conseguiu alguns, poucos, escritos desgarrados, nomeadamente notas tipo diário e versos sobre a Santa Sofia e a Senhora da Azenha.
Não fora a triste reviravolta que a vida deu em 1918, José Candeias da Silva poderia ser hoje o marco cultural e o património maior da nossa terra, que bem precisa de referências que lhe dêem a visibilidade e a projecção que merece.