sábado, dezembro 29, 2007

Pé descalço

Olhando com alguma atenção para esta curiosa fotografia, tirada na nossa terra em 1945, que vemos nós?
Sete crianças, cujas idades parecem andar entre os quatro e os dez anos, «olham o passarinho», felizes e encantadas da vida. O enquadramento é do mais pobre e primitivo: o fundo é um vulgar carrasqueiro encostado a um tosco muro de alvenaria; o piso, esbarrocado, é de terra solta e pedra de vários tamanhos à mistura. Não obstante, apenas uma das crianças está calçada.
Pé descalço nas crianças era coisa normal, em Salvador, quando esta fotografia foi feita. Mesmo os adultos era muito raro possuírem mais do que um par de calçado. Sobretudo nas mulheres, acontecia, mesmo, andarem descalças em casa ou no campo, e trazerem consigo os sapatos, para os calçarem quando entravam no povo ou quando iam à missa.
O calçado era algo que se não colhia na horta e era necessário dinheiro para o adquirir. Muitos lavradores tinham casas abastadas de produtos da terra, mas não possuíam dinheiro, que era mais fácil existir em quem tivesse um ordenado, por baixo que fosse.
Retrato paradoxal da vida daqueles tempos, em que até a subsistência era uma ambição, mas o bem-estar e a felicidade eram bem mais fáceis de atingir; em que as desigualdades existiam, mas em que as diferenças andavam bem mais próximas do que agora.
Retrato paradoxal dos tempos em que se cantava e bailava por tudo e por nada, no início, durante e no fim dos trabalhos.

(A foto foi-nos cedida pelo Prof. Libério Candeias Lopes – o único calçado na imagem, sem dúvida pela simples razão de ser «filho de guarda»: o guarda-fiscal Domingos Lopes).

terça-feira, dezembro 18, 2007

Quem se lembra?


Lembram-se de lhes ter aqui falado num chafariz que existiu à beira da estrada, encostado ao Chão do Seabra, em frente do, agora, edifício da Junta de Freguesia de Salvador (Ver post de 26 Nov2006 – «QUEM SE LEMBRA?»)?
Ainda não obtive resposta concreta. Consta que foi demolido quando do abastecimento de água ao domicílio, uma demolição de certo modo anárquica, do que resultou as cantarias terem sido roubadas anonimamente e sem rei nem roque.
Referem-se rivalidades políticas entre a Junta que construíra o chafariz e a que lhe sucedeu, cuja estratégia não o incluia na rede geral que entretanto se delineava, pelo que para ali foi ficando, sem água, até ser derrubado, vandalizado e apagado do mapa...
Foi pena. Com água ou sem ela, ali ou noutro local, tratava-se de uma bela obra de cantaria, que hoje poderia aumentar, um pouco, o património de Salvador, que não é tão famoso assim.
Na foto que hoje lhes deixo, lá se vêem, jazendo abandonadas no chão, as pedras que restam do formoso chafariz de cantaria aparelhada que ali esteve edificado alguns anos – aliás poucos, porque, então como agora, a primeira coisa que a maioria dos políticos faz é encobrir, ou apagar, a obra dos seus antecessores.
É inegável que a nossa terra mudou muito desde então. Todavia, há coisas que não deveriam mudar, pela simples razão de que não são propriedade de um ou outro grupo, de uma ou outra instituição: são coisas que pertencem à memória colectiva do povo; são coisas que temos por dever preservar e transmitir às novas gerações.

(A imagem documenta a procissão da festa de N.ª S.ª de Fátima, no seu regresso à capela, no dia 13 de Maio de 1956).

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Curso de Bordados


A fotografia que aqui apresentamos data de 1958 e registou para a posteridade o final de um Curso de Corte e Bordados, dos muitos promovidos pela OLIVA, a conceituada marca portuguesa de máquinas de costura, com sede em S. João da Madeira, que, desde o princípio da década e durante vários anos, inteligentemente usou como publicidade e promoção de vendas, a realização, pelas aldeias, destes cursos, praticamente gratuitos.
Naquele tempo ainda eram raros os estudos secundários ou superiores por parte das meninas, das quais, conforme a mentalidade da época, se esperava que fossem as fadas do lar, isto é, que fossem prendadas em matéria de costura e lavores e na vida doméstica em geral.
O curso da foto decorreu em Aranhas (haveria, depois, em Salvador) e foi frequentado por moças das duas freguesias (de diplomas na mão!). Da nossa terra, identificamos a Maria Augusta Afonso (na fila da frente, segunda a contar da esquerda); a Lurdes Cunha Leitão (na segunda fila, terceira a contar da esquerda); a Dulce Costa Silva (segunda fila, terceira a contar da direita); a Isabel Tavares (quarta fila, à direita e meio encoberta) e a Lurdes Moreira Leitão (atrás da Dulce).
O dois elementos masculinos presentes são, à frente, o Sr. Araújo, agente da marca em Penamacor, e, na quarta fila, o Sr. Clemente, responsável de área. A professora do curso, de nome Lucinda – se a memória não nos engana – encontra-se na fila da frente, entre a Maria Augusta e o Sr. Araújo.
Tivemos o privilégio de ter como esposa uma destas «fadas do lar»: por isso, assistimos e deliciámo-nos com os panos bordados a crivo, a richelier, a cordonet, com os pontos a cheio, com os matizados, com as bolotas, as rosas, os cravos, os monogramas e outras maravilhas que saíam daquela máquina e daquelas mãos directamente para as toalhas, para os lençóis, para a primeira envolta do bébé, ou, mesmo, para o bibe do primeiro dia de escola dos nossos filhos.
Provavelmente já não haverá cursos de bordados, nem se venderão máquinas de costura como antigamente. A mulher moderna já não precisa de aprender a costurar, a bordar e a fazer roupas para si e para os seus familiares. Dona de casa ou não, já compra tudo feito, despersonalizado e o gosto já não é o seu: tem que seguir os que mandam nos gostos de toda a gente.