terça-feira, outubro 27, 2009

As calças de «pana»


Esta foto é de 1946 e foi tirada em Nisa, por ocasião do casamento do meu irmão do meio, o Aníbal, e terá como alguma curiosidade o facto de juntar um Albertino e uma Albertina.
O Albertino sou eu; a Albertina é a única irmã da minha nova cunhada. Acho que se nota, pelas posturas e pelas roupas de ambos, que se trata de uma menina da vila e de um garoto da aldeia.
Mas não foi por isso que a fotografia para aqui veio. Outra coisa me motivou a mostrar-vos a referida imagem: nem mais nem menos do que as minhas calças de pana preta!
Pana era o nome que nas aldeias da raia, como o Salvador, se dava à bombazina – um tecido rústico, grosso, mais barato e resistente do que o surrobeco ou do que o próprio burel.
Estávamos nos tempos fortes do contrabando, e a pana era um dos principais artigos que vinham de Espanha, na conhecida permuta clandestina de géneros e produtos que escasseavam num e noutro lado da fronteira, mercê do atraso económico que, nesses anos, vitimava ambos os povos dos dois países ibéricos.
Nessa espécie de economia paralela, nós mandávamos para lá o café e o açúcar e de lá recebíamos a bombazina e os chocolates.
É evidente que eram muitas mais, e mais variadas, as trocas comerciais que se faziam então. Eu, aqui, acentuo nesses anos, porque, afinal, agora as coisas mudaram: já estão livres as fronteiras e já passa tudo, sem necessidade de contrabandistas, ou de guardas, ou de alfândegas.
Mas, para nossa vergonha, os produtos só circulam num sentido: até as frutas mais vulgares, e os nabos, os agriões ou as cenouras que comemos, nos vêm do lado de lá!!!

sábado, outubro 17, 2009

A malhada


Não sei se sabem, mormente os mais novos, qual o significado que aqui se atribui à expressão em título – A Malhada –, e que eu creio ser específico do Salvador e das vizinhas terras da raia, de ambos os lados da fronteira.
Pois bem: malhadas, nesta acepção, eram propriedades rústicas, mais ou menos extensas, exploradas por um lavrador, as mais das vezes rendeiro, que nelas se fixava com a família, em habitações pouco mais que provisórias e com condições mínimas. O trabalho familiar assegurava as tarefas fundamentais da pecuária e da agricultura, salvo na época das colheitas (ceifa, malha, vindima, azeitona, etc.) em que havia reforço da parte de familiares e amigos e, raramente, de assalariados.
As malhadas tomavam o nome dos seus titulares: era a «Malhada do João Bicho», a «Malhada do Javier Morales», etc.
A foto foi tirada na Malhada do Zé Mendonça, lá p’ra trás, pr’ás Naves. Foi no Verão de 1965, e documenta um agradável piquenique à sombra duma azinheira: manta de trapos estendida no chão; ensopado de borrego fumegando nos pratos e pão-trigo cozido em casa; «palhinhas» funcionando; melancia e cântaro de barro com água para refrescar; lenço ao pescoço e chapéu de palha por mor do calor de Agosto...
... até o Alberto, um pastor-como-membro-da-família-Mendonça, largou o rebanho e veio até à sombra da azinheira, mais o seu fiel rafeiro, preencher a foto e tomar lugar à «mesa».

sexta-feira, outubro 09, 2009

Um parentesco singular


A foto é de Francisco Nunes Ribeiro (1870-1959), filho de Gaspar Nunes Ribeiro e de Raquel Augusta de Campos. Era vulgarmente conhecido por Francisco Arraquel, alcunha devida, sem dúvida, ao nome da mãe.
Casou duas vezes. Na primeira, com Luísa Pereira, de quem teve três filhos: Maria Lucinda, Adelino e Abel (este falecido de tenra idade); na segunda, com Emília Calamote, que lhe deu mais cinco: Adosinda, José, Lurdes, Baltasar e Eduardo.
Natural de Penamacor, viveu a maior parte da sua vida em Salvador, primeiro como guarda-fiscal e, depois de reformado, como uma espécie de homem dos sete ofícios, mas, principalmente, como pintor-caiador.
O extraordinário disto tudo é que o senhor Arraquel era o pai da minha mãe, e teve como segunda esposa uma irmã do meu pai.
Então e depois, dirão os que me lêem? Ora vejam só esta pequena amostra:
O meu avô Francisco foi também meu tio e foi cunhado do seu genro e da sua filha (meus pais);
A minha tia Emília foi também minha avó e sogra do irmão (meu pai), além de madrasta da cunhada (minha mãe);
O Eduardo, filho do meu avô e da minha tia, foi também cunhado e sobrinho de meu pai; sobrinho e irmão de minha mãe; meu tio e meu primo (além de meu particular amigo de infância); foi comigo às «sortes» e ambos marchámos para a tropa no mesmo ano (1958)!!!
E não vos maço mais, com este meu parentesco singular.

sábado, outubro 03, 2009

Dormir ao relento


Dormir ao relento foi uma das experiências que mais me marcaram na juventude. O meu irmão mais velho, que vivia em Lisboa, não podia passar as suas férias de verão, no Salvador, sem que fossemos dormir, pelo menos uma noite, à nossa horta, debaixo de uma enorme oliveira que ali existia.
Então lá íamos todos os de casa, grandes e pequenos. Espalhávamos umas faixas de palha pelo chão, e, sobre a palha, grossas mantas de trapo faziam de lençóis. Com mais dois ou três cobertores, dormíamos todos juntos, lado a lado, naquela cama enorme.
Eu, nos meus dez anos, não era muito foito em questões de noite e de escuro, mas, com tanta companhia, sentia-me completamente seguro, e excitado, mesmo, com a aventura.
Os adultos ficavam a conversar até altas horas e a olhar para o céu e para as estrelas. Os mais pequenos acabavam por adormecer e sonhar, até que o luz do dia os acordava, bem cedo aliás, no dia seguinte.
Esta foto é de 1948, e documenta uma das felizes manhãs da horta, após uma noite em cama de feno, no maravilhoso concerto dos sons e dos aromas da Natureza – como o cantar dos grilos e o odor dos poejos –, sob um firmamento de luzes monumentais.