domingo, novembro 25, 2007

Cantigas ao desafio – O Ti Triste

No post de 14 de Setembro de 2007, sobre os cantares ao desafio de outros tempos, já tivemos oportunidade falar do Ti Triste. Voltamos de novo ao assunto porque chegou às nossas mãos uma entrevista, de Jolon, encimada por uma expressiva imagem, publicada no Jornal do Fundão de 5 de Novembro de 1999. Não resistimos a aludir – com a devida vénia – algumas passagens que documentam excelentemente esta conhecida personagem salvadorense e típica figura da poesia e do descante populares – à data com 83 anos.
O título é esclarecedor: «“Triste” de alcunha mas sempre alegre no cantar»; e em subtítulo: «António Silva, ex-ganhão, guardador de cabras e agricultor, confessa que “a meio vinho” é quando se “quadra” melhor».
Depois de referir os tempos em que se deslocava à aldeia vizinha de Aranhas, aos mercados de Monsanto ou às festas e romarias onde houvesse um acordeonista ou uma viola, expressamente para se defrontar com outros cantantes bem conhecidos e de nomeada na zona, António Silva confessa que «no Salvador ainda persistem uns quantos fadistas», que se reuniam na taberna da «velha do Ti Carrondo».
A entrevista incluiu uma sessão ao vivo, onde, ao som do acordeonista António Morais, o Ti Triste cantou ao desafio com o Zé António França, o António Maria da Serra e o João Augusto – este último um jovem deficiente e invisual que, numa recente festa de Santa Sofia, cantara à desgarrada com a fadista Cidália Moreira.
O espectáculo decorreu entre sardinha assada, entrecosto na brasa e vinho da região, e ramatou com um improviso dedicado pelo entrevistado ao entrevistador:

Viva toda a sociedade;
Vivam todos quantos estão;
Viva o nosso Salvador;
Viva o Jornal do Fundão.

segunda-feira, novembro 19, 2007

José Candeias da Silva (1887-1959)

Professor Candeias, padre Candeias, doutor Candeias ou, simplesmente, senhor Candeias, eis uma figura ímpar de Salvador, enternecedora, cativante e respeitada de todos os que tiveram o privilégio de a conhecer. Homem de inteligência superior e de trato humano fora do comum, poderia ele ter sido alguém de nomeada e a referência que falta à nossa terra, se uma doença mental o não tivesse atingido na flor da idade – por volta dos trinta anos.
José Candeias da Silva nasceu em Salvador, de uma família de agricultores. Após a instrução primária foi estudar para o Seminário da Guarda, chegando a receber ordens menores e de subdiácono. Por questões de vocação mudou-se para a Escola Normal de Viseu, para tirar o curso de professor, que veio a completar na Escola Normal de Coimbra, visto que, simultaneamente, se matriculou na Universidade, onde foi condiscípulo de Cerejeira, Salazar e muitos outros alunos do tempo que viriam a ocupar posições de relevo na vida nacional. Inesperada e misteriosamente, abandonaria os estudos, regressando ao Salvador, já no final do 4.º ano do curso de Direito, quando já por todos lhe era dado tratamento de doutor.
Durante o resto da sua vida, marcada por uma demência serena, com períodos de recolhimento e solidão, alternando com outros de alguma errância que se caracterizava por uma atenção fixada na vida do campo e na Natureza, materializada em constantes deambulações entre os vários prédios rústicos da família, onde, dizia, mantinha hipotéticas explorações agrícolas e agro-pecuárias.
O Sr. Candeias, apesar da sua doença, era amado e respeitado por toda a gente da terra, e era recebido em casa das pessoas mais representativas da região. Lembramo-lo nos seus últimos dez a quinze anos de vida e fomos das muitas crianças que ele acarinhava naturalmente, sempre com uma palavra suave e gentil, como era seu timbre. Ao passar por nós parava, punha-nos a mão direita sobre a cabeça, e lá vinha um dos seus encantadores piropos: – Olá, príncipe das Astúrias!; – Então, duquesa de Bragança! Ele ensinou as primeiras letras a alguns de nós, mesmo antes de entrarmos na escola: adquiria cartilhas e mandava imprimir pequenas tiras de papel com o abecedário e a tabuada, que depois nos distribuía.
Escrevia imenso, em prosa e em verso, com qualidade variável como é natural, mas com a sua cultura e inteligência superiores sempre presentes. Contamos poder incluir, em breve, alguns dos seus escritos neste blogue.

Na foto: José Candeias da Silva, de capa e batina. Coimbra, 9-6-1915 (gentileza do neto Libério das Neves Martins).

quarta-feira, novembro 07, 2007

Férias na terra


As pessoas que, há cinquenta anos, vinham passar as férias de verão ao Salvador, constituíam os seus verdadeiros turistas. Eram geralmente salvadorenses que tinham emigrado para a capital e que, organizada ali uma vida melhor, se podiam dar ao luxo de gozar uns dias entre os familiares que cá tinham.
Ainda a televisão não tinha globalizado os costumes, e esta gente destacava-se, no falar, no vestir e na própria postura física, do comum dos aldeões. Era um tempo em que o sotaque indicava, sem grandes margens de erro, a origem dos falantes, não só por regiões, mas, muitas vezes, pela própria terra de naturalidade. Num grupo de pessoas conversando, não era difícil separar as de Salvador das de Aranhas, das de Penamacor ou, mesmo, das de Monsanto ou de Penha Garcia.
A vestimenta, de uma forma menos precisa, também era um bom indicador.
Não era raro estes «veraneantes» trazerem convidados à sua terra, orgulhando-se de lhes mostrar os pontos de maior interesse para visita, onde não faltavam os chafarizes e as fontes da excelente – e famosa – água de Salvador (e que saudade, Deus meu!).
Nesta foto, de 1956, vemos José Calamote (o Ti Violas), mostrando a velha «Fonte do Povo» a filhos, netos, noras e familiares destas, que visitavam a nossa terra pela primeira vez.