sexta-feira, julho 25, 2008

A Maria Júlia


A Rua da Cinza foi sempre uma das artérias mais movimentadas de Salvador. Pela manhã, as pessoas dirigiam-se apressadamente aos campos e às hortas, donde retiravam o «pão nosso de cada dia». Faziam-no acompanhadas dos seus animais: as cabras, os burros, as vacas, que faziam parte do esforço familiar para o sustento.
À noitinha dava-se o regresso a casa, e a rua era percorrida em sentido contrário. A passada era então mais frouxa, porque as pessoas e as bestas carregavam produtos da terra e os amojos das cabras pediam ordenha.
Sentada à porta de sua casa, praticamente durante todo o santo dia, a Maria Júlia distribuía lindos sorrisos a todos estes transeuntes, que não conseguiam ignorar tanta simpatia e, por isso, quer à ida quer à vinda, lhe dirigiam palavras simpáticas e carinhosas: Olá, Marijúlia! Ou, para se meterem com ela: ó mandriona, ainda estás no mesmo sítio?!
A Maria Júlia era filha do casal Filipe Silva e Ascenção Silva, que teve, salvo erro, seis filhos, dois dos quais, o Zé e a Maria Júlia, nasceram deficientes em elevado grau: não tinham autonomia mental, não falavam e não andavam, apesar de conseguirem arrastar-se a partir da posição de sentados no chão. Ainda assim, a deficiência da Maria Júlia era menos profunda do que a do irmão. Problemas de consanguinidade, dizia-se, em virtude dos pais serem parentes.
A Maria Júlia nasceu muito próximo, no tempo e no espaço, do autor destas linhas e uniu-nos sempre um enorme carinho. Éramos vizinhos, somos do mesmo ano e as nossas famílias foram sempre muito amigas. Na foto está com a Fatinha ao colo: a nina patino (a menina do Albertino), como ela conseguia dizer.
Mas não é por esta amizade que a Maria Júlia vem aqui a propósito. É, sim, por ser uma das personagens mais conhecidas e acarinhadas do Salvador de outros tempos.

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